
No mesmo dia em que o ex-presidente Jair Bolsonaro se tornou réu no Supremo Tribunal Federal (STF) por golpe de Estado e outros quatro crimes, a Comissão de Relações Exteriores da Câmara dos Deputados, comandada pelo bolsonarista Filipe Barros (PL-PR), aprovou a convocação de um ex-assessor do primeiro governo de Donald Trump para esclarecer uma suposta interferência de uma agência americana nas eleições brasileiras.
Michael Benz, que se apresenta como Mike Benz nas redes, ocupou um cargo de baixo escalão no Departamento de Estado americano na primeira gestão de Trump (2017-2021) e ganhou notoriedade entre bolsonaristas após declarar – sem provas – que a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAid) agiu deliberadamente para forçar a derrota de Bolsonaro nas eleições de 2022.
Segundo Benz, o órgão americano financiou a aprovação de leis contra a desinformação em vários países, e que programas de combate às fake news do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) teriam servido para derrubar publicações do então chefe de Estado brasileiro e aliados. Chegou, inclusive, a afirmar que “se a USAid não existisse, Bolsonaro ainda seria presidente do Brasil”.
Desde então, passou a ser replicado nas redes pelo ex-presidente e seu filho, o deputado federal licenciado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), que assumiria a presidência da Comissão de Relações Exteriores não fosse sua decisão de se afastar do mandato e permanecer nos Estados Unidos alegando-se um perseguido político.
A USAid já havia sido pano de fundo de outra viagem de Eduardo aos EUA em fevereiro. Na ocasião, o parlamentar, ainda no exercício do cargo, participou de uma rodada de reuniões com parlamentares do Partido Republicano, legenda do presidente Donald Trump, em busca de dados sobre a agenda de investimentos no exterior.
Desde que Trump elegeu a USAid como um de seus principais alvos no governo americano, Eduardo e outros bolsonaristas têm alimentado nas redes sociais e em canais da direita a tese de que a agência teria interferido na eleição presidencial brasileira de 2022 durante o governo Joe Biden com repasse de dinheiro para o TSE, a pretexto de combater a desinformação e as fake news, quando a Corte era presidida por Alexandre de Moraes.
O requerimento de convocação de Benz foi assinado pelo líder do PL na Câmara, Sóstenes Cavalcante (PL), e foi abraçado por Filipe Barros. Nas redes, o presidente da comissão destacou que a “soberania brasileira, sempre unida à vontade do povo, é a nossa prioridade”. O anúncio foi elogiado por Eduardo, que afagou o aliado.
“Parabéns. Este também seria o primeiro requerimento a ser apreciado se eu presidisse a CREDN [Comissão de Relações Exteriores]”, escreveu no X.
Em entrevista ao podcast Inteligência Ltda na última segunda-feira, o filho 03 de Bolsonaro disse ter articulado junto a Filipe Barros a priorização do requerimento, mesmo sem exercer o mandato.
“O poder que a gente exerce não depende de cargo ou diploma na parede. A gente continua jogando juntinho com o Filipe Barros, presidente da CREDN, e estamos para apreciar o requerimento na comissão para uma audiência pública onde participará o Mike Benz”, declarou o deputado licenciado.
“Quem é o Mike Benz? Mike Benz é o protagonista que tem colocado no ventilador, em bom português, tudo aquilo relativo a envio de dinheiro dos Estados Unidos para outros países, inclusive o Brasil, através de parcerias como a da USAid com o TSE”, prosseguiu.
Durante o podcast, Eduardo discorreu de forma genérica sobre como exatamente os investimentos da USAid teriam interferido nas eleições brasileiras. Citando Benz, alegou que o dinheiro teria financiado a “doutrinação de imprensa, reforma do Poder Judiciário e conversas para o soft power [sic] junto a juízes”.
“Já começam a aparecer alguns contratos, alguns milhões de dólares na mesa. A gente tem a perspectiva de que o Mike Benz possa vir pessoalmente ao Brasil para trazer mais novidades e aprofundar esse tipo de situação”, garantiu.
Viagem aos EUA
No périplo pelos EUA em fevereiro em busca de dados da USAid, Eduardo se reuniu com os deputados trumpistas Chris Smith (Nova Jersey) e María Elvira Salazar (Flórida), que são autores de um projeto de lei protocolado em outubro passado que pretende restringir a cooperação financeira e judicial entre órgãos americanos e instituições do Brasil e barrar o financiamento a entidades voltadas para o combate à desinformação que venham a assessorar a Justiça Eleitoral brasileira.
Um dos exemplos da suposta interferência citados no projeto de lei dos republicanos é a participação do TSE em um estudo internacional contra as fake news financiado por um programa da USAid, além de um intercâmbio entre o tribunal e ONGs de combate à desinformação financiadas pela agência.
Criada nos anos 60 durante o governo John Kennedy no contexto da Guerra Fria, a USAid destinou em 2023 US$ 40 bilhões – o equivalente a R$ 235 bilhões, ou apenas 1% do orçamento dos EUA – a doações para 130 países. A agência opera em parceria com ONGs, entidades internacionais e governos nacionais em projetos que variam desde desafios de governança até o combate ao vírus HIV no continente africano.
Trump, porém, congelou os investimentos da USAid por 90 dias e acusou publicamente a entidade de viés ideológico. Além disso, não esconde o objetivo de desmantelar o órgão até o fim do seu governo, o que também é defendido pelo bilionário Elon Musk, designado pelo presidente americano para chefiar o Departamento de Eficiência Governamental com o objetivo de economizar US$ 2 trilhões e remodelar a máquina pública dos EUA.
A iniciativa, porém, tem sido questionada nos tribunais americanos e pode acabar derrubada como outras medidas controversas do segundo governo Trump.