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Vírus ‘zumbis’: quais os riscos à saúde dos agentes que estão acordando após 50 mil anos com o aquecimento do planeta?

Um dos vírus ‘zumbis’ estudados pelo cientista Jean-Michel Claverie — Foto: Reprodução/Jean-Michel Claverie

A equipe do virologista Jean-Michel Claverie está há décadas estudando o chamado ‘vírus zumbis’, patógenos adormecidos há mais de 50 mil anos que podem voltar a vida e infectar humanos devido ao aquecimento do planeta e, consequentemente, ao derretimento das calotas polares que estão congelados.

Claverie, 73 anos, passou mais de uma década estudando vírus “gigantes”, incluindo aqueles com quase 50 mil anos encontrados nas profundezas das camadas do permafrost da Sibéria. As preocupações de que o clima mais quente irá libertar gases com efeito de estufa retidos, como o metano, na atmosfera, à medida que o permafrost da região derrete, foram bem documentadas, mas os agentes patogênicos latentes são um perigo menos explorado.

Ano passado, o cientista e sua equipe, fizeram uma investigação extraindo vários vírus antigos do permafrost e todos eles eram prejudiciais à saúde e infecciosos — foram ao todo 13 novos vírus, incluindo um congelado debaixo de um lago há mais de 48.500 anos. Segundo ele, uma infecção viral de um patógeno antigo e desconhecido em humanos, animais ou plantas poderia ter efeitos potencialmente “desastrosos”.

Claverie mostrou pela primeira vez que vírus “vivos” poderiam ser extraídos do permafrost siberiano e revividos com sucesso em 2014. Por razões de segurança, sua pesquisa se concentrou apenas em vírus capazes de infectar amebas, que estão suficientemente distantes da espécie humana para evitar qualquer risco de contaminação inadvertida.

Ele, entretanto, adverte que a escala da ameaça à saúde pública que as descobertas indicaram foram subestimadas.

— 50 mil anos atrás no tempo nos levam à época em que o Neandertal desapareceu da região. Se os neandertais morressem de uma doença viral desconhecida e este vírus ressurgisse, poderia ser um perigo para nós —explica o cientista.

Os cientistas garantem que, por enquanto, não há motivos para pânico. Segundo eles, o risco de exposição humana aos vírus antigos é muito baixo. O Ártico, onde está localizado o permafrost, é um local pouco povoado e eles não sabem se osvírus congelados continuariam infecciosos quando expostos às condições de hoje em dia ou se eles encontrariam um hospedeiro apropriado.

Mas vale lembrar que até o ano de 2019, a Covid-19 era um vírus desconhecido e novo. No qual nenhum cientista ou humano estava preparado para a devastação e letalidade dele. Além disso, em julho deste ano, uma equipe reanimou com sucesso uma lombriga de 46 mil anos do permafrost siberiano, apenas reidratando-a.

Doença X

Durante anos, as agências de saúde globais e os governos têm monitorizado doenças infecciosas desconhecidas contra as quais os humanos não teriam imunidade nem terapias medicamentosas.

Na tentativa de preparar o mundo para uma nova doença epidemiológica, como foi a Covid, que pegou o planeta de surpresa, a Organização Mundial da Saúde (OMS) criou o termo “doença X”, que representa uma grave epidemia internacional que pode ser causada por um patógeno atualmente desconhecido.

Ou seja, ela é uma doença, a próxima que vai aparecer, porém não sabemos qual ela é, mas sim que ela existe e que a população deve estar preparada para isso. O objetivo da OMS foi criar uma forma de levar os cientistas a trabalharem em medidas médicas para evitar o aparecimento de ameaças infecciosas desconhecidas desenvolvendo novas tecnologias como vacinas e medicamentos.

Em 2017, a OMS adicionou a “doença X” a uma pequena lista de agentes patogênicos considerados de alta prioridade para pesquisa, juntamente com assassinos conhecidos, como a síndrome respiratória aguda grave (SARS) e o ebola.

“A OMS trabalha com mais de 300 cientistas para analisar as evidências sobre todas as famílias virais e bactérias que podem causar epidemias e pandemias, incluindo aquelas que podem ser libertadas com o degelo do permafrost”, disse a porta-voz da OMS, Margaret Harris.

A lista atual inclui: covid-19, febre hemorrágica da Crimeia-Congo, doença pelo vírus ebola e doença pelo vírus Marburg, febre de Lassa, síndrome respiratória do Oriente Médio (MERS) e SARS, vírus Nipah e doenças henipavirais, febre do Vale do Rift, zika e Doença X.

Permafrost

O permafrost, solo que já foi repleto de vida animal, oferece as condições perfeitas para a preservação da matéria orgânica: é natural, escuro, desprovido de oxigênio e permite muito pouca atividade química. Na Sibéria, pode atingir até um quilómetro de profundidade — o único lugar no mundo onde o permafrost desce tão longe – e cobre cerca de dois terços do território russo. Descobriu-se que apenas um grama abriga milhares de espécies de micróbios adormecidos, de acordo com um artigo publicado na revista Nature em 2021.

Alguns cientistas também temem a exploração da região aumentando a possibilidade de interação humana com um antigo agente patogênico que poderia ser prejudicial à saúde. Segundo Claverie, “caçar a próxima grande ameaça para a humanidade poderia inadvertidamente propagar o perigo”.

As grandes organizações também estão a acordar para este risco. No início deste mês, a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional abandonou o seu projeto de 125 milhões de dólares para caçar vírus no Sudeste Asiático, África e América Latina que poderiam potencialmente infectar seres humanos, devido a preocupações de que a própria investigação pudesse desencadear uma pandemia.

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