Indústria automotiva acelera com IA e conectividade de olho no futuro dos carros autônomos e personalizados

Um assistente virtual que reconhece o motorista e seus passageiros. Alertas em tempo real sobre interrupções na rua, baseados em sensores externos capazes de prever movimentos. A possibilidade de pagar o estacionamento de forma autônoma ou de pedir a entrega do jantar enquanto se está preso no trânsito. É assim que plataformas de software, milhões de dados trafegados para a nuvem e inteligência artificial generativa vêm ganhando espaço na indústria automotiva e acelerando as apostas das empresas de tecnologia no setor.

A conectividade nos carros ocorre em etapas e envolve modelos puramente elétricos, híbridos (que funcionam também com combustíveis fósseis) e autônomos, ainda em fase de projeto-piloto em algumas cidades do mundo. Estima-se que, com a inteligência artificial e a maior capacidade de conexão, o número de veículos conectados à internet triplicará globalmente até 2030, segundo a consultoria Research and Markets.

— Quando falamos de carros conectados, estamos testemunhando a criação de um novo ecossistema, que vai além das montadoras. Empresas de tecnologia, por exemplo, estão se aliando a bancos para projetar sistemas de biometria que simplificarão as experiências de pagamento para qualquer bem ou serviço. Empresas de análise de dados irão cruzar as preferências dos usuários para ajudar na segmentação de ofertas — avalia o consultor Aaron Misener.

É assim que ao longo desta semana gigantes do setor de tecnologia e montadoras apresentaram no Snapdragon Summit as próximas inovações para o setor automotivo, realizado nos Estados Unidos. Na busca pelo “carro do futuro”, a Qualcomm, que no último ano implementou suas soluções de conectividade em 75 modelos, lançou novas plataformas de direção autônoma (Ride Elite) e de serviços digitais (Cockpit Elite), que chegarão ao mercado em 2025 e combinam hardware, software, nuvem e inteligência artificial.

IA ‘discreta’

Recentemente, a Samsung anunciou um novo chip para veículos capaz de trafegar dados a uma velocidade de até 9,6 gigabits por segundo – quase 20 vezes a velocidade média do 5G. Duas semanas atrás, a Tesla, do bilionário Elon Musk, apresentou o Cybercab, um veículo futurista que não possui volante nem pedal.

No centro da nova estratégia das empresas está a inteligência artificial, capaz de processar bilhões de parâmetros, fornecer respostas em tempo real e aprender com base nas preferências dos motoristas.

Nas plataformas que chegam ao mercado no próximo ano, o assistente de IA será capaz de reconhecer quem está ao volante e até ser “discreto” ao fornecer certos tipos de respostas quando houver passageiros desconhecidos no carro.

Segundo Ana Arnold, gerente de tecnologia e marketing automotivo da Qualcomm, a nova plataforma será capaz de “ouvir” os ocupantes do veículo, ajustando, por exemplo, a temperatura em uma parte específica do carro em resposta a um comentário de um passageiro.

A maior capacidade de processamento também possibilita imagens em 3D e 4K nos painéis de entretenimento (o chamado cockpit), melhorando a visualização de mapas.

— No sistema de telas a bordo, há uma melhor visualização das estradas, o que aumenta a segurança dos motoristas. Os sensores conseguem prever objetos e trajetórias, além de reconhecer gestos e comandos de voz dos passageiros por meio da IA. Isso permite a análise em tempo real dos dados. A nova plataforma suporta até 40 sensores operando simultaneamente.

Marry Barra, CEO da General Motors, disse que os veículos estão mais conectados do que nunca. Ela ressaltou a importância da parceria com empresas de tecnologia para desenvolver a nova geração de carros.

— A colaboração permite unir a nossa nossa experiência com soluções de chassi digital para economia de energia, painéis modernos e sistemas avançados de assistência ao motorista. Queremos avançar na direção do futuro da mobilidade — disse Marry.

Segundo Frank weber, diretor de tecnologia da BMW, o objetivo é desenvolver veículos capazes de processar a maior quantidade de dados.

— Por isso, estamos co-desenvolvendo com empresas de tecnologia um conjunto de software que vai criar um ecossistema de direção autônoma. Plataformas de conectividade garantem conectividade segura, melhorando a experiência digital para todos no carro.

Parceria com Google

O Google também anunciou uma parceria com a Qualcomm para a nova geração de carros.

— A ideia é criar soluções escaláveis para a indústria automotiva, desde o hardware até a nuvem. Imagine entrar no carro e o sistema sugerir um café após um longo tempo no trânsito. Ao combinar diferentes sensores, a proposta é antecipar as necessidades do motorista — exemplificou Gretchen Effgen, diretora de parcerias automotivas do Google.

Brasil avança no segmento

Embora nos mercados mais desenvolvidos as soluções estejam em um ritmo maior de implementação, países como o Brasil começam a avançar no segmento. Luciano Driemeier, gerente global de Novos Negócios em Conectividade e Mobilidade para a Ford América do Sul, destaca o desenvolvimento de uma central de monitoramento que opera de forma remota.

Chamado de “Command Center”, o sistema lê, filtra e processa 90 milhões de dados de mais de 160 mil veículos conectados no Brasil e na Argentina diariamente.

— A comunicação autônoma dos veículos conectados gera uma quantidade significativa de dados, que são processados com o auxílio da inteligência artificial para melhorar a experiência do consumidor. Isso nos permite agir de forma preventiva. Se o carro começar a apresentar sinais de anormalidade dentro dos padrões estabelecidos, mesmo que o motorista ainda não perceba, recebemos o alerta e já implementamos uma solução.

Para Driemeier, a conectividade é um campo que crescerá substancialmente, tanto pelo volume de dados gerados quanto pela velocidade na análise desses dados.

— O que podemos garantir é que a conectividade veio para ficar e será um pilar fundamental na construção de um futuro mais integrado, envolvendo carros, pessoas, empresas, infraestrutura urbana e o setor público.

A Stellantis, dona de marcas como Fiat e Jeep, já oferece mais de 30 funcionalidades por meio de software em seus veículos. Gisele Tonello, diretora de Gestão de Negócios de Software da montadora para a América do Sul, destaca as parcerias da empresa com companhias de tecnologia para integrar sistemas avançados de conectividade, como Wi-Fi veicular, telemetria, gestão de frotas e entretenimento a bordo.

— Atualmente, mais de um terço do nosso portfólio oferece conectividade aos clientes, e estamos planejando um crescimento acelerado nessa área a partir de 2025. Esse avanço é impulsionado pela adoção de tecnologias mais acessíveis, pela demanda crescente por serviços de segurança e pelo aumento do mercado de veículos elétricos e híbridos, que naturalmente incorporam tecnologias mais avançadas.

Por outro lado, Gisele ressalta os desafios do setor:

— Uma preocupação significativa é a segurança cibernética e a privacidade dos dados. Nossos requisitos técnicos estão se tornando cada vez mais rigorosos para garantir que os veículos operem de forma eficiente e segura, enquanto os dados são protegidos e utilizados de maneira transparente, preservando a confiança dos consumidores.

A Nissan, por exemplo, apresentou recentemente um conceito de assistente virtual pessoal que interage com o motorista e os passageiros por meio de realidade virtual, sendo capaz de reconhecer emoções. Para Rogério Louro, diretor de Comunicação da companhia, a conectividade será essencial para viabilizar recursos de condução autônoma.

Segundo ele, esse avanço depende não apenas dos fabricantes de veículos, mas de um ecossistema que inclui fornecedores de tecnologia e o desenvolvimento da legislação.

— Nem sempre a conectividade é visível para o usuário, mas ela já está presente, ajudando no funcionamento do carro. A conectividade faz parte do cotidiano das pessoas, e é natural que os carros avancem nessa integração, permitindo que, no futuro, motoristas e passageiros interajam com o mundo ao seu redor.