A antecipação das eleições legislativas determinada pelo presidente da França, Emmanuel Macron, para os dois próximos domingos, impõe uma escolha difícil para a maior comunidade judaica da Europa, com 500 mil pessoas. Seus integrantes se dizem cercados entre dois extremos, ambos com conotações antissemitas.
A extrema direita, representada pelo Reagrupamento Nacional, de Marine Le Pen, tem raízes calcadas na xenofobia, no populismo e no ódio aos judeus. A extrema esquerda, reunida na França Insubmissa, de Jean-Luc Melénchon, aponta Israel como único responsável pela guerra em Gaza, vê o Hamas como um movimento de resistência legítimo e abraça o boicote e as sanções ao país.
Esta polarização, aliada à coligação enfraquecida centrista, comandada pelo presidente Macron, confunde e divide os judeus franceses e vem causando reviravoltas surpreendentes.
É o caso do prestigiado historiador Serge Klarsfeld, sobrevivente e estudioso do Holocausto, conhecido também como caçador de nazistas, que defendeu o partido de Le Pen. O mesmo Klarsfeld, que em 2022, proclamou “Não a Le Pen, filha do racismo e do antissemitismo” num artigo publicado no jornal “Libération”, agora, aos 88 anos, considera que o partido RN amadureceu:
“O Reagrupamento Nacional apoia os judeus, apoia o Estado de Israel. Quando houver um partido antijudaico e um partido pró-judaico, votarei no partido pró-judaico.”
O fundador da Frente Nacional, que antecedeu o RN, Jean Marie Le Pen foi condenado pelo discurso antissemita e minimizou a existência do Holocausto, até ser expulso do partido pela filha Marine. Ela lustrou e suavizou a imagem da legenda, além de mudar o seu nome. Nas duas últimas eleições, Marine Le Pen ficou em segundo lugar, atrás de Macron.
Manifestantes contra a extrema esquerda exibem faixa que diz “o antissemitismo não é uma promessa de campanha”, em 14 de junho de 2024. — Foto: AP Photo/Thomas Padilla
Após o massacre do Hamas em solo israelense, em outubro passado, Le Pen filha participou de uma marcha gigantesca em Paris contra o antissemitismo e passou a cortejar os eleitores judeus. A comunidade judaica, no entanto, encara o aceno da extrema direita com cautela.
Conforme declarou Yonathan Arfi, presidente do Conselho Representativo das Instituições Judaicas Francesas (Crif), “existem alternativas a esta oposição entre uma esquerda antissemita e uma extrema direita nacionalista e populista”.
“A situação dos judeus é muito, muito difícil. Mesmo que alguns às vezes pensem que são atraídos pela extrema direita como resposta ao antissemitismo, a maioria dos judeus pensa que esta também é uma ameaça real”, ponderou Arfi, em entrevista a uma rádio.
Os partidos Socialista, Comunista e Verde se aliaram nestas eleições à França Insubmissa na coligação Nova Frente Popular, contra a extrema direita e, desta vez, sem a presença de Macron.
Melénchon tornou-se um crítico veemente da operação militar israelense em Gaza e se recusou a classificar o Hamas como grupo terrorista. Num post em redes sociais, ele considerou “residual” e “ausente” o antissemitismo em manifestações pró-Palestina, o que lhe rendeu acusações de minimizar os atos contra judeus no país.
Uma pesquisa do Instituto Francês de Opinião Publica publicada no início deste mês constatou que 92% dos entrevistados judeus acreditam que o partido França Insubmissa contribui para aumentar o antissemitismo na França. O RN aparece em terceira posição, citado por 49% dos ouvidos, atrás do partido ambientalista EELV.
Quase 60% optam por uma solução drástica: dizem que sairiam da França caso o partido de extrema esquerda estivesse no comando do governo, num indicativo de que, para boa parte dos judeus franceses, a escolha de domingo não traz qualquer vestígio de entusiasmo.
O presidente francês, Emmanuel Macron, fala através de uma tela na sede do partido de extrema-direita Rassemblement National (RN) após o fechamento das urnas durante as eleições para o Parlamento Europeu, em Paris, França. — Foto: Reuters/Sarah Meyssonnier