Um jogo que começa com criação de expectativa e termina em frustração. Essa é a síntese da experiência de Marcela Oliveira em aplicativos de relacionamento. Solteira há cinco anos, desde que saiu de São Paulo para estudar no interior de Minas Gerais, a enfermeira, de 38 anos, diz não aguentar mais tanto papo furado. “Sempre que penso em dar uma chance para os apps, acontece a mesma coisa, parece que há um padrão nocivo de comportamento masculino”, queixa-se. “Na bio, os caras escrevem que procuram algo sério, mas quando começam a conversar, dizem que só querem um lance casual. Sem falar naqueles que mandam milhares de mensagens num dia e somem no outro.”
A exaustão de Marcela tem nome: dating burnout, uma estafa emocional provocada pelo uso excessivo de aplicativos de relacionamento, com expectativas frustradas. Muitos usuários chegam a desenvolver distúrbios de ansiedade, dificuldade de estabelecer relações saudáveis e desaprendem a lidar com tristezas e alegrias típicas de uma vida amorosa ativa. De um modo geral, fala-se muito sobre matches que dão certo e pouco de dinâmicas complicadas, como as que começam com um nude sem consentimento ou terminam em ghosting. “Eu me tornei pessimista em relação aos homens, acabo achando que todos são iguais. Posso até conhecer uns caras fora do aplicativo, mas já entro fechada nessa relação, prevendo que ele vai virar um babaca em dois dias, em um mês, em algum momento”, lamenta a paulistana.
A psicóloga Gisele Aleluia compara os aplicativos de relacionamento a um álbum de figurinhas, onde o usuário se apresenta com as características procuradas pelo outro, não necessariamente aquelas que ele carrega de fato. “Meia dúzia de palavras na bio, ou uma foto, não vão mostrar como o indivíduo realmente é. A frustração vem dessa crença de que dá para conhecer alguém a fundo menosprezando os detalhes que só a convivência do dia a dia proporciona”, analisa a profissional, que recomenda um olhar menos idealizado em abordagens virtuais românticas. “Plataformas de dating são só o primeiro passo. É necessário que haja um encontro presencial, para ter um feeling do que os dois querem.”
Para Whitney Wolfe Herd, fundadora do Bumble, app em que apenas mulheres dão início às conversas, as relações tendem a dar errado, seja em aplicativos de relacionamento ou fora deles, quando o amor-próprio anda em falta em uma ou nas duas partes envolvidas. “Existe uma epidemia de baixa confiança ao redor do mundo, ainda não há um entendimento do quão incrível e divino pode ser cada ser humano”, avalia a empresária. “Como uma pessoa vai conseguir amar alguém sem se amar? Queremos que nossos usuários sejam gentis uns com os outros, mas, principalmente, com eles mesmos. Só assim encontrarão parceiros românticos e respeitosos, e vão se sentir merecedores disso.”
Atento ao problema do dating burnout, o aplicativo criou uma cartilha para ajudar os usuários a identificarem os sinais e orientá-los a lidar com as frustrações na plataforma. Dar um tempo na utilização do app para se reconectar com pensamentos e intenções e seguir uma rotina de autocuidado estão entre as recomendações.
Uma das práticas que ajuda a aliviar o estresse da socióloga Clara Miranda em aplicativos de relacionamento é diminuir o raio de distância, para filtrar mais os pretendentes. “Até prefiro ativar meu perfil em cidades pequenas, longe das metrópoles, me sinto menos cansada quando a quantidade de opções é menor”, conta a carioca, de 28 anos.
Solteira desde setembro do ano passado, Clara chegou a ter encontros com pessoas que conheceu em plataformas de dating, mas nenhuma relação foi para frente. “Por essa questão de dar muitos matches, acabo ficando refém de um ciclo sem fim que envolve criar expectativa de um relacionamento com alguém que nem conheço. Acabo me sentindo mais sozinha e insegura do que antes. Quando vejo, já gastei muita energia.” Aí, o melhor a fazer , é entrar em modo avião.