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Café, cacau, frutas, aviões, big techs: veja os pontos que podem viabilizar negociação do Brasil com Trump

Grãos de café arábica, produzidos no interior do Estado do Rio — Foto: Gabriel de Paiva

Em um primeiro indício da possibilidade de negociação antes da entrada em vigor do tarifaço, prevista para sexta-feira, o secretário de Comércio dos Estados Unidos, Howard Lutnick, afirmou que produtos que não são produzidos internamente pelo país poderiam ter tarifa zero.

Ele não mencionou o Brasil, mas listou itens presentes na pauta de exportações como manga, café, cacau e alguns recursos naturais. O Brasil fornece cerca de um terço do café consumido nos EUA.

Lutnick tem sido o interlocutor do vice-presidente, Geraldo Alckmin, com o governo americano, os dois já dialogaram três vezes.

Ontem, Alckmin afirmou que teve nova rodada de conversas com big techs, em reunião que contou com um representante da secretaria de Comércio dos EUA em videoconferência. A participação foi um pedido de Lutnick em conversa na véspera.

Howard Lutnick, secretário de Comércio dos EUA — Foto: Brian Kaiser/Bloomberg
Howard Lutnick, secretário de Comércio dos EUA — Foto: Brian Kaiser/Bloomberg

Reunião com empresas

Na reunião de ontem, Alckmin propôs a criação de um grupo de trabalho para discutir ambiente regulatório, inovação tecnológica, oportunidade econômica e segurança jurídica de empresas de tecnologia (veja mais detalhes abaixo). De acordo com o vice-presidente, participaram Meta, Google, Amazon, Apple, Visa e Expedia.

— Na conversa com o secretário Lutnick eu disse a ele que teria um segundo encontro com as empresas de tecnologia americanas e ele perguntou se poderia um representante dele participar. Participou um representante da secretaria de Comércio, por videoconferência. Foi uma reunião bastante proveitosa, tiramos (como conclusão) uma mesa de trabalho para discutir em seguida uma série de questões voltadas a big techs — afirmou.

O vice-presidente Geraldo Alckmin, que lidera as conversas com Departamento de Comércio dos EUA — Foto: Evaristo Sa/AFP
O vice-presidente Geraldo Alckmin, que lidera as conversas com Departamento de Comércio dos EUA — Foto: Evaristo Sa/AFP

Separação entre Poderes

O vice-presidente lembrou que na carta pública em que Trump anuncia a tarifa de 50%, ele cita o processo contra o ex-presidente Jair Bolsonaro no Supremo Tribunal Federal (STF), a questão das big techs e um déficit comercial (inexistente).

Alckmin salientou que o Executivo não interfere no Judiciário e que os EUA têm superávit nas transações comerciais com o Brasil. Em relação às big techs, Alckmin disse que o modelo institucional do grupo de trabalho ainda não está definido e que sobre a regulamentação das gigantes de tecnologia é preciso ter paciência:

— Essa questão de regulamentação de big techs e redes sociais está em discussão no mundo. Vamos aprender. Onde já foi implementado? Na Europa? O que deu certo, o que levou a crítica? Não devemos ter muita pressa nisso. A gente deve verificar a legislação compara, ouvir e dialogar.

Brecha para produtos básicos

Mais cedo, em entrevista à CNBC Internacional, Lutnick indicou a possibilidade de isentar produtos que os EUA não produzem. Desde que o tarifaço foi anunciado, a imprensa americana destacou o impacto que o tarifaço teria sobre produtos alimentícios que são parte do cotidiano dos americanos, como café, suco de laranja e carne. O risco, no caso, é de a conta das tarifas recair no bolso dos americanos, o que também teria impacto político.

Carne, café e cacau para a produção de chocolate são alguns dos itens que o Brasil mais exporta para os EUA — Foto: Fotos de arquivo
Carne, café e cacau para a produção de chocolate são alguns dos itens que o Brasil mais exporta para os EUA — Foto: Fotos de arquivo

— Se você cultiva algo que nós não cultivamos, isso pode entrar com tarifa zero. Então, se fizermos um acordo com um país que cultiva mangas ou abacaxis, eles podem entrar sem tarifa, porque café e cacau seriam outros exemplos de recursos naturais — afirmou em entrevista concedida no âmbito das negociações entre EUA e China, em Estocolmo.

O café brasileiro mantém-se como o principal produto exportado para os EUA, representando cerca de 33% do consumo americano. Entre janeiro e maio deste ano, os EUA compraram 17% de todo o café brasileiro exportado.

Já de acordo com o Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (Cecafé), foram enviadas aos Estados Unidos 3,3 milhões de sacas de janeiro a junho deste ano. Em 2024, o país exportou mais de 8 milhões de sacas de café para a maior economia do mundo, reforçando sua posição de liderança no setor.

Quanto ao cacau, segundo dados da Associação Nacional das Indústrias Processadoras de Cacau (AIPC), entre 2020 e 2024, os EUA responderam, em média, por 18% do valor total exportado pelo Brasil de derivados do fruto. Em 2024, esse valor atingiu US$ 72,7 milhões, com um volume de 8,1 mil toneladas.

Para o setor de suco de laranja, o cálculo é de um prejuízo de até R$ 4,3 bilhões se a tarifa de 50% não for suspensa. O Brasil é atualmente o maior produtor e exportador de suco de laranja do planeta, vendendo 95% de sua produção para o exterior. Desse volume, 42% têm os Estados Unidos como destino.

Mais convergências

A produção americana de laranjas foi duramente impactada pelo greening, uma doença incurável que faz o fruto cair verde, antes de amadurecer, e deixa um gosto amargo no suco. A Flórida era a região com a segunda maior produção mundial de laranjas, mas a doença provocou uma redução de 90% na safra a partir do final dos anos 2000.

Por isso, o país é tão dependente do suco de laranja brasileiro. Hoje, o Brasil paga uma tarifa fixa de US$ 415 por tonelada para exportar aos EUA. O vice-presidente disse ainda que o objetivo do governo é reduzir a alíquota de 50% para todos os setores.

Colheita de laranja: Suco da fruta é um dos principais itens da pauta de exportação do Brasil para os EUA — Foto: Bloomberg
Colheita de laranja: Suco da fruta é um dos principais itens da pauta de exportação do Brasil para os EUA — Foto: Bloomberg

— Estamos trabalhando pra que a diminuição da alíquota seja para todos — afirmou, acrescentando: — Queremos avançar em todas as convergências, temos muito mais convergências que divergências.

Segundo fontes, porém, uma das alternativas no radar do governo brasileiro é propor a exclusão de alguns itens do tarifaço, como suco de laranja e café, além dos aviões da Embraer. Empresas de aviação regional americanas estão entre as principais clientes da fabricante de aeronaves brasileira.

O Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio negou que o governo esteja negociando a exclusão de alguns setores do tarifaço. Segundo a assessoria de Alckmin, o foco do governo continua na negociação geral em torno da tarifa de 50%.

O governo também evita apresentar oficialmente o plano de socorro a empresas afetadas pelo tarifaço antes de ter certeza de que a sobretaxa efetivamente entrará em vigor na sexta-feira, mas medidas de proteção ao emprego, como as adotadas na pandemia, já fazem parte do cardápio de ações do governo.

Em outra frente, o presidente da Embraer, Francisco Gomes Neto, está nos EUA, mostrando que o país também perderá se os produtos da empresa forem sobretaxados. A fabricante de aviões tem uma unidade naquele país com 3 mil funcionários, além de US$ 3 bilhões em ativos.

Outro trunfo da Embraer é que até 2030 existe um potencial de compra de US$ 21 bilhões em equipamentos de fornecedores dos EUA, que vão compor os aviões que serão exportados para todo o mundo. Os EUA representam 45% de mercado de seus jatos comerciais e 70% dos jatos executivos.

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