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O quanto o vape faz mal? Novos estudos mostram que pode ser mais nocivo do que se imagina; entenda

Cientistas desvendam os riscos do vape. — Foto: OK McCausland/The New York Times

Quando os cigarros eletrônicos começaram a se popularizar, em meados da década de 2010, os pequenos cartuchos traziam grandes promessas. Eles foram apresentados como uma alternativa mais saudável ao cigarro e um caminho para parar de fumar. Agora, porém, pesquisadores estão começando a entender a dimensão dos perigos dos vapes.

Em um estudo publicado no mês passado, por exemplo, uma equipe de cientistas analisou a névoa dos cigarros eletrônicos populares nos Estados Unidos e encontrou níveis tão altos de metais pesados que um dos pesquisadores achou que sua máquina estava com defeito. Outros trabalhos sugerem que o uso de vapes pode afetar o coração, os pulmões e o cérebro.

Os dados sobre os efeitos à saúde a longo prazo ainda são limitados, porque os cigarros eletrônicos são relativamente novos e estão em constante evolução. Muitas pessoas que os utilizam estão na adolescência ou na faixa dos 20 anos, ou seja, pode levar algum tempo até que mais efeitos se tornem evidentes.

— O bom senso diz, e sua mãe diria, que inalar um produto químico superaquecido diretamente nos pulmões não vai ser algo bom — diz James H. Stein, professor de Medicina Cardiovascular na Faculdade de Medicina da Universidade de Wisconsin, nos EUA.

Preocupações cardiovasculares

Uma tragada de vape causa estresse imediato ao sistema cardiovascular. A frequência cardíaca aumenta, e os vasos sanguíneos se contraem, o que pode enrijecer as artérias do coração com o tempo. Quando você usa os aparelhos “o dia inteiro, repetidamente, basicamente está andando por aí com pressão alta”, afirma Stein. Esses efeitos podem aumentar o risco de desenvolver arritmia cardíaca, acidente vascular cerebral (AVC) e até infarto.

Quando os cigarros eletrônicos aquecem os líquidos a temperaturas mais altas, podem liberar grandes quantidades de substâncias químicas nocivas que penetram nos pulmões, entram na corrente sanguínea e chegam ao coração, continua Irfan Rahman, pesquisador da Universidade de Rochester, nos EUA, especializado em produtos com nicotina.

Os líquidos dos vapes podem liberar carcinógenos conhecidos, como formaldeído e acetaldeído, quando aquecidos. Esses e outros compostos podem danificar os vasos sanguíneos, provocar inflamação e aumentar o risco das doenças cardiovasculares.

Além disso, quando as pessoas param de usar vapes, também podem enfrentar abstinência de nicotina, o que por sua vez pode elevar a frequência cardíaca e a pressão arterial, acrescenta Stein.

Problemas pulmonares

O uso de vapes causa inflamação nas vias aéreas e nos pulmões, que pode se tornar crônica, diz Stein. Também pode agravar a asma e os sintomas de doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC), além de causar tosse persistente e falta de ar.

Embora ainda não se tenha confirmado que os cigarros eletrônicos causem câncer, algo que pode levar décadas para se manifestar, sabe-se que eles expõem os usuários a substâncias sabidamente associadas ao aumento do risco da doença.

Brett Poulin, professor assistente de Toxicologia Ambiental na Universidade da Califórnia, em Davis, EUA, testou três marcas populares de cigarros eletrônicos descartáveis vendidos no país e descobriu que liberavam altos níveis de níquel e antimônio, metais pesados ligados ao câncer de pulmão. A equipe de Poulin também encontrou grandes quantidades de chumbo, um neurotóxico, liberadas pelos dispositivos.

Outros produtos químicos usados em vapes com sabor, especialmente os descartáveis, também podem danificar as membranas celulares, aumentando de forma geral o risco de lesões pulmonares, câncer e doenças cardíacas, complementa Stein.

Em casos raros, pacientes desenvolvem cicatrizes nos pulmões e dificuldades respiratórias conhecidas como “pulmão de pipoca” após inalar diacetil, um composto presente em alguns vapes saborizados. Grandes marcas de cigarros eletrônicos atualmente dizem não usar diacetil.

Além disso, em 2019, um surto de lesões pulmonares graves, incluindo 68 mortes, foi associado a cigarros eletrônicos com acetato de vitamina E.

Saúde bucal

Assim como cigarros convencionais, sachês e outros produtos que contêm nicotina, os vapes reduzem o fluxo sanguíneo para a gengiva, tornando-a mais vulnerável a doenças e infecções. A nicotina por si só também pode danificar os tecidos gengivais, afirma Rahman.

Dependência

Pamela Ling, diretora do Centro de Pesquisa e Educação em Controle do Tabaco da Universidade da Califórnia em São Francisco (UCSF), nos EUA, já trabalhou com adolescentes que dormem com o vape debaixo do travesseiro e o alcançam assim que acordam.

Pesquisas mostram que os cigarros eletrônicos são de fato viciantes. A dependência pode ser especialmente problemática para os mais jovens, cujos cérebros ainda estão em desenvolvimento. Programas de apoio e medicamentos para cessação do tabagismo podem oferecer alívio. Mas o processo pode ser angustiante, provocando sintomas de abstinência como depressão, ansiedade e irritabilidade.

Essa preocupação é agravada pelo fato de que vapes ainda mais viciantes, com níveis mais altos de nicotina, estarem chegando ao mercado americano. Ling afirma que hoje é fácil no país encontrar modelos com 20 mil tragadas de nicotina — uma quantidade equivalente a 100 maços de cigarro.

— Os novos produtos chegam ao mercado mais rápido do que conseguimos fazer ciência sobre eles — afirma.

Nos EUA, onde o produto é permitido, especialistas estão preocupados com o fato de que o estudo sobre os cigarros eletrônicos pode se tornar mais difícil após o governo Trump ter encerrado uma unidade focada em tabagismo e saúde e cortado verbas de programas que ajudam as pessoas a parar de fumar.

No Brasil

Os aparelhos ainda são menos comuns que o cigarro convencional – 5,4% da população adulta utiliza os dispositivos no Brasil, contra 12,5% que usa o modelo à combustão. No entanto, os dados do terceiro Levantamento Nacional de Álcool e Drogas (LENAD III) mostram que, entre os adolescentes, o cenário é diferente.

Ao todo, 8,7% daqueles entre 14 e 17 anos usaram o dispositivo no último ano, cinco vezes mais que os 1,7% que consumiram o cigarro tradicional, segundo a pesquisa realizada pela Unidade de Pesquisa em Álcool e Drogas (Uniad) da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) com parceria da Ipsos e financiamento do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP).

Além disso, o levantamento mostra que, entre toda a população brasileira de 14 anos ou mais, 1,9% faz o uso simultâneo de cigarro convencional e vape, o que também dificulta isolar os danos causados apenas pelo modelo eletrônico. Ainda assim, cada vez mais pesquisas apontam para a realidade de que, embora os vapes não contenham todos os produtos químicos perigosos dos cigarros, eles trazem seus próprios riscos.

No Brasil, nem mesmo se sabe quais são as formulações exatas que circulam no país. Isso porque todo cigarro eletrônico encontrado é fruto de contrabando, já que, desde 2009, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) proíbe a fabricação e a venda dos dispositivos. A medida foi reavaliada em 2024, e o veto foi mantido.

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