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Sindicato denúncia “condições insalubres” na Polícia Técnica e DPT promete revitalização das unidades

O Sindicato dos Peritos Médicos e Odonto Legais da Bahia (SINDIMOBA) denunciou, por meio de nota pública enviada à imprensa, as precárias condições de trabalho enfrentadas por profissionais do Departamento de Polícia Técnica da Bahia (DPT-BA), órgão vinculado à Polícia Civil. Ao Bahia Notícias, o coletivo de profissionais legistas da Bahia revela que as unidades de trabalho são alvo de “eventos de violência, além da ineficácia de estruturas básicas para o funcionamento adequado”. 

A denúncia se estende, principalmente, às unidades do Instituto Médico Legal no interior do estado, especialmente em Valença, Ilhéus e Vitória da Conquista. Segundo o grupo, as irregularidades se dão em três frentes: violência, higiene e biossegurança, e infraestrutura. 

Em entrevista ao BN, um membro do SINDIMOBA relata que o problema não é atual e já vem sendo anunciado pelos profissionais há anos, mas sem resposta. Do outro lado, o Departamento de Polícia Técnica nega os casos de vulnerabilidade das unidades à violência externa e garante que as medidas estão sendo tomadas sobre a infraestrutura dos locais. 

VIOLÊNCIA E VULNERABILIDADE DE PROVAS 
Conforme a denúncia do sindicato, a vulnerabilidade das unidades a diversos episódios de violência já é uma característica conhecidas dos suspeitos em cada região. Entre invasões, ataques e tentativas de roubo, o SINDIMOBA destaca que os profissionais da perícia ficam expostos e sem cobertura da Polícia Militar ou Civil, especialmente nos plantões. 

Um dos episódios relatados, ocorreu na Coordenadoria Regional de Polícia Técnica (CRPT) em Valença, no Baixo Sul baiano. Os denunciantes alegam que a unidade foi alvo de quatro invasões em dois meses. Ações forçaram os médicos e odontologistas legais a reagir “a uma situação que foge de suas atribuições”, em meio a conflitos com armas de fogo e até feridos.

Sobre isso, um dos profissionais conta que “você trabalha a noite sozinho em algumas regionais, então o perito médico não tem o treinamento como tem um investigador de polícia ou um soldado da polícia militar, um treinamento policial para a defesa, e a maioria nem anda armado”. “Então, ele chega no DPT a noite, ele que vai abrir a porta, ligar o computador, receber a pessoa. Não tem pessoal administrativo, não tem vigilante”, relata. 

Ao Bahia Notícias, o legista reitera os riscos: “Pode acontecer de se guardar drogas nesse local, de se guardar armamento [como provas] e fica lá uma pessoa sozinha, sem armas. Uma pessoa que tem uma formação médica, não é policial, e o que o DPT fala é que ‘vocês são policiais, tem que se defender’, mas, na prática, não é assim que funciona”. 

O entrevistado conta que, durante seus anos de experiência, houve tempos em que as unidades possuíam vigilantes e até auxiliares de limpeza nos plantões, porém, em regime de parceria com os municípios. 

Os peritos atendem o público em consultórios afastados e isolados, sem cobertura da Polícia Militar ou Civil no perímetro da CRPT. A de Valença ainda lida com a custódia de armamentos e drogas apreendidas em cômodos anexos à perícia médica e odontológica sem a devida segurança, e já registra um histórico de furtos de materiais apreendidos.

No comunicado, o sindicato afirma que em Ilhéus, no Extremo Sul baiano, a entrada da unidade, com uma porta de vidro, está avariada, expondo ainda mais os profissionais. Em Vitória da Conquista, no Sudoeste baiano, o mesmo acontece: portas sem fechaduras e ausência de controle de acesso noturno.

HIGIENE E BIOSSEGURANÇA
Um dos principais problemas indicados pela organização sindical é a falta de infraestrutura técnica para a realização dos procedimentos nas unidades do IML. Mesas de necrópsia com oxidação e vazamento, sanitários precários e falta de climatização adequada são alguns dos problemas encontrados nas instalações, colocando em risco os profissionais e os procedimentos realizados. 

“Com relação às instalações físicas, principalmente no interior, o DPT já sofre isso há décadas, não é recente. Então, os ambientes de trabalho são muito insalubres. As salas de necropsia são muito ruins, sem ventilação adequada. Você não tem auxiliar para ajudar adequadamente na necropsia, não tem como manter uma adequada cadeia de custódia, que é obrigatória”, relata um dos profissionais. 

A cadeia de custódia é um processo que garante a autenticidade e a integridade de evidências durante todo o processo investigativo. “Então pode acontecer de você perder a idoneidade da prova material”, completa. 

Em Ilhéus, os médicos e odontólogos legais afirmam que a falta de climatização “há mais de cinco anos, compromete até a conservação de amostras” em uma das instalações. No caso de Conquista, o sindicato alega que a unidade “foi classificada em um Laudo Técnico de 2016 com Grau de Risco 3 para exposição a agentes biológicos e químicos, sendo considerada insalubre e com ventilação natural e artificial deficiente, potencializando risco de contaminação”. 

PRECARIZAÇÃO E SEUS IMPACTOS 
O SINDIMOBA indica ainda que as condições dos alojamentos e áreas de descanso também são inadequadas. Em Ilhéus, os legistas dormem em beliches com colchões danificados e infiltrações; o mesmo ocorre no sudoeste baiano, onde a unidade de Conquista não provê climatização nas salas de descanso e os profissionais compraram os móveis.

Em um cenário como este, em que até o descanso dos plantonistas é comprometido, os profissionais afirmam que os impactos já podem ser sentidos com o acúmulo de procedimentos parados nas unidades, por falta de mão de obra, equipamentos e laboratórios espalhados pela Bahia. 

“Se o laudo pericial não sai, o trabalho policial fica prejudicado. Então assim, tem laudos que saem logo. Um laudo de homicídio onde a pessoa tomou um tiro na cabeça, você tem a causa mortem, esse laudo vai sair dentro do prazo”, delimita. 

“Agora, se você quer esclarecer uma pessoa que foi encontrada morta em determinado lugar, você precisa de uma série de exames complementares para determinar do que essa pessoa morreu, leva meses para sair. Então, enquanto esses exames não saem, o perito não pode liberar o laudo”, sucinta.

O médico relata que para tentar reverter o cenário, a gestão do Departamento solicitou que plantonistas passassem a trabalhar em horário administrativo comercial, na tentativa de cumprir as demandas atrasadas. Para o sindicalista, “isso não resolve porque se o laudo da dependendo do resultado de um exame de laboratório, não interessa o cara estar ali de plantão ou em regime administrativo diário que não vai sair do mesmo jeito”. “Só vai sair se enviarem os exames e o laboratório está sobrecarregado. Não tem mais condições de liberar mais exames do que já libera mesmo.”

E completa: “Exames de laboratório demoram muito e isso atrapalha o andamento dos inquéritos”. Ao Bahia Notícias, o entrevistado afirma que o Laboratório Central de Polícia Técnica (LCPT), localizado em Salvador, acaba sobrecarregado devido ao recebimento de demandas do estado inteiro. “Tem alguns [pelo estado], por exemplo, em Feira de Santana tem um laboratório, mas não faz tudo. DNA mesmo só em Salvador. Então assim, o grosso do laboratório está em Salvador”, detalha. 

“O Departamento, com relação à contratação de patologista, por exemplo, ele diz que vai fazer concursos. Mas de que adianta fazer concurso para Salvador e não abrir patologia no interior do estado. Na parte de equipamentos, por exemplo, eles não dizem nada, sobre HEC, salas de necropsia, se vão regularizar a insalubridade, não dão previsão a respeito disso”, diz o médico. 

Ele conta ainda que a situação de pessoal é complexa. Os profissionais do administrativo, contratados pelo Governo no Regime Especial de Direito Administrativo (Reda), com rotatividade bianual, não tem prazo para serem substituídos. “Eles dizem que os médicos vão ser obrigados a fazer o trabalho do pessoal administrativo, que foi embora, e não dá um prazo para contratar gente nova. Isso tudo gera um atraso enorme”, diz. 

“E assim, embora tenha feito concurso público e chegou gente nova, foi gente da carreira, não do administrativo. O pessoal de apoio não tem concurso a mais de 20 anos e isso é outra coisa ruim, porque o pessoal entre, fica dois anos e sai. Dois anos é o tempo que vocês precisa para se adaptar ao serviço, fazer um network, conhecer o pessoal que você vai trabalhar de delegacia, Ministério Público, Polícia Militar e Judiciário. Quando vocês etá bom no serviço, acabou o Reda e tem que ir embora”, explica o entrevistado. 

O QUE DIZ O DEPARTAMENTO
O Bahia Notícias entrou em contato com o Departamento de Polícia Técnica da Bahia, solicitando informações e um posicionamento oficial sobre as denúncias apresentadas pelo SIDIMOBA e os profissionais legistas. Em nota, a organização afirma que “está ciente” das demandas estruturais das unidades citadas: Valença, Ilhéus e Vitória da Conquista, e garantiu que as reformas estão previstas. 

“Reformas estão previstas, incluindo a substituição das mesas de necropsia e a requalificação dos espaços. Os servidores recebem ordinariamente equipamentos de proteção individual para que possam exercer suas atividades laborais com segurança”, explicou a gestão. 

No entanto, com relação às vulnerabilidades na segurança, a entidade nega que a unidade de Valença tenha sido invadida, mas sim tenha recebido “um ingresso indevido de um indivíduo na área do estacionamento da Coordenadoria Regional, sendo este imediatamente identificado e contido pelos servidores policiais de plantão”.  

No mesmo comunicado, o DPT ainda nega possíveis negligências: “o DPT tem promovido visitas técnicas, escuta ativa das equipes e ações voltadas à melhoria das condições de trabalho, segurança e biossegurança”. “As situações apontadas estão sendo acompanhadas e tratadas conforme as normas vigentes”. 

Confira a nota do DPT na íntegra: 

“O Departamento de Polícia Técnica (DPT) informa que está ciente das demandas estruturais nas unidades de Valença, Ilhéus e Vitória da Conquista. Reformas estão previstas, incluindo a substituição das mesas de necropsia e a requalificação dos espaços.

Os servidores recebem ordinariamente equipamentos de proteção individual para que possam exercer suas atividades laborais com segurança. 

Por meio do projeto Gestão Itinerante, o DPT tem promovido visitas técnicas, escuta ativa das equipes e ações voltadas à melhoria das condições de trabalho, segurança e biossegurança. As situações apontadas estão sendo acompanhadas e tratadas conforme as normas vigentes.

A unidade de Valença não foi invadida. Houve um ingresso indevido de um indivíduo na área do estacionamento da Coordenadoria Regional, sendo este imediatamente identificado e contido pelos servidores policiais de plantão. 

Reforçamos o compromisso com a valorização dos profissionais e com a melhoria contínua dos serviços prestados à população”

BN

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