A Justiça francesa condenou a 20 anos de prisão Dominique Pelicot, que admitiu ter drogado sua mulher, Gisèle Pelicot, e recrutado desconhecidos na internet para que abusassem sexualmente dela ao longo de uma década. No tribunal de Avignon, no sul do país, o francês chorou depois de ser considerado culpado por estupro agravado, por tentativa de estupro contra Cillia — mulher de um dos 51 corréus, Jean-Pierre Marechal — e pela tomada de fotos indecentes da filha, Caroline, e das noras, Aurore e Celine.
Ao longo do julgamento, que começou em 2 de setembro e atraiu a atenção da imprensa internacional, Gisèle renunciou ao seu direito de anonimato e defendeu que os vídeos dos abusos fossem exibidos na Corte. A vítima argumentou que a medida era importante para “permitir que sua história chegasse ao mundo” e para transferir a “vergonha” de volta para os acusados.
Dominique, de 72 anos, admitiu ter drogado Gisèle com ansiolíticos entre 2011 e 2020 para fazê-la dormir e submetê-la aos abusos de estranhos recrutados online. Ele pediu desculpas à francesa, de quem se divorciou após 50 anos, e à família. Sua advogada, Béatric Zavarro, apelou que o tribunal se “afastasse” do pedido da promotoria pela condenação máxima, de 20 anos de reclusão, e levasse em conta os “traumas” que o cliente sofreu durante a infância, incluindo um estupro aos 9 anos.
O segundo réu a receber um veredicto foi Jean-Pierre Marechal, condenado a 12 anos de prisão, cinco a menos do que pedia a promotoria francesa. Ele foi considerado culpado por dopar e estuprar a mulher, Cillia. Ao tribunal, o homem disse ter “seguido a liderança” de Dominique Pelicot e convidado o colega para abusar da própria esposa.
Os demais réus foram condenados a penas que vão de 3 a 15 anos de reclusão, das quais as defesas terão até dez dias para recorrer. Hassan Ouamou, por exemplo, foi condenado a 12 anos de prisão. Atualmente no Marrocos, ele disse aos investigadores que não retornará à França.
A Corte francesa também considerou culpados, por estupro agravado:
- Charly Arbo (pena de 13 anos de prisão);
- Christian Lescole (9);
- Lionel Rodriguez (8);
- Cyrille Delville (8);
- Florian Rocca;
- Jacques Cubeau (5);
- Patrice Nicolle (8);
- Thierry Parisis (8);
- Simoné Mekenese (9);
- Didier Sambuchi (5);
- Jerome Vilela (13);
- Dominique Davies;
- Boris Moulin (8);
- Nizar Hamida (100);
- Philippe Leleu (5 anos de prisão, com 2 suspensos);
- Cyril Beaubis;
- Quentin Hennebert;
- Mathieu Dartus;
- Cyprien Culieras;
- Jean-Luc LA (10);
- Fabien Sotton (11);
- Redouane Azougagh (8);
- Joan Kawai (10);
- Vincent Coullet (10);
- Romain Vandevelde (15 anos de prisão);
- Husamettin Dogan (9);
- Omar Douiri;
- Paul-Koikoi Grovogui;
- Ahmed Tbarik (8);
- Jean Tirano (8);
- Redouane El Farihi;
- Hassan Ouamou (12);
- Mohamed Rafaa (8);
- Ludovick Blemeur (7);
- Patrick Aron (6 anos – será levado a uma prisão especial por razões médicas);
- Abdelali Dallal (8 anos – será levado a uma prisão especial por razões médicas);
- Grégory Serviol (8);
- Cedric Grassot (7);
- Cendric Venzin (9);
- Thierry Postat (12 anos, com banimento de trabalhos envolvendo crianças);
- Jean-Marc LeLoup.
Além do estupro agravado, Karim Sebaoui, Adrien Longeron e Nicolas Francois foram considerados culpados pela posse de imagens de pornografia infantil. Francois foi sentenciado a 8 anos de prisão com banimento de trabalhos envolvendo crianças, enquanto Longeron pegou 6 anos e Sebaoui, 10. Hughes Malago (5) e Andy Rodriguez (6), por sua vez, foram culpados por tentativa de estupro com fatores agravantes, e Joseph Cocco (3 anos de prisão) e Saifeddine Ghabi (3), por agressão sexual.
Durante o julgamento, Gisèle pediu que a sociedade “machista e patriarcal” mude sua atitude em relação ao estupro e falou sobre sua indignação por nenhum de seus agressores ter alertado a polícia. Alguns a estupraram até seis vezes.
Alguns réus admitiram os estupros e outros se defenderam sob a alegação que acreditavam participar de uma fantasia de um casal libertino, pois tinham “o consentimento do marido” — um exemplo de sua “covardia”, na opinião da vítima. Outros 20 suspeitos seguem em liberdade porque os investigadores não conseguiram identificá-los antes do macrojulgamento.
A grande incógnita eram as sentenças dos demais, já que o tribunal precisa individualizar cada sentença, e se haveria absolvições. No final de novembro, o Ministério Público solicitou entre 10 e 18 anos de prisão para 49 deles, e quatro anos para a única pessoa processada por “tocar” em Gisèle Pelicot. Os pedidos de condenação foram mais severos do que a pena média por estupro na França, que era de 11,1 anos em 2022, segundo o Ministério da Justiça.
Laure Chabaud, uma das representantes da acusação, espera que a decisão do tribunal vá além do destino dos acusados e envie “uma mensagem de esperança às vítimas de violência sexual”. A promotoria insistiu que o veredicto deve servir de guia na educação das “crianças”, “porque é através da educação que se conseguirá a mudança” na sociedade.
Já os advogados de defesa apresentaram cerca de trinta petições de absolvição em nome dos seus clientes, que, segundo eles, foram “manipulados” pelo “monstro”, o “lobo”, o “ogro” Dominique Pelicot. Os seus clientes “não tinham intenção” de violar Gisèle Pelicot e, portanto, não teriam cometido um crime previsto no Código Penal, argumentaram.