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PMs manipulam gravação das câmeras corporais para esconder erros, revela Defensoria de São Paulo

Policial de São Paulo com câmera corporal — Foto: Maria Isabel Oliveira / Agência O Globo/09-02-2022

Durante o patrulhamento cotidiano, policiais militares de São Paulo estão manipulando a gravação das câmeras corporais para esconder ações irregulares e ilegais, revela um relatório da Defensoria Pública de São Paulo enviado ao Supremo Tribunal Federal (STF).

Segundo o documento, os agentes de segurança desligam ou retiram os equipamentos dos uniformes, afastam-se do local enquanto outro PM faz a abordagem, tapam a lente com o braço ou outro anteparo ou ainda apontam a câmera para longe da ação. O uso correto do equipamento, segundo especialistas, é fundamental para reduzir a letalidade policial.

A discussão ocorre em um momento em que o governo de São Paulo está alterando a forma de gravação das câmeras corporais. Pelo modelo atual, o equipamento capta ininterruptamente, a partir do momento em que o agente de segurança inicia seu turno de trabalho. A captação ocorre sem som e com imagens de baixa qualidade. Durante uma ocorrência, o PM deve acionar a câmera para pegar o áudio e melhorar o vídeo. No modelo recentemente contratado pela gestão Tarcísio de Freitas (Republicanos), a gravação é intencional ou acionada remotamente via Centro de Operações (Copom). Se ninguém o fizer, a abordagem não é filmada.

— A gente consegue perceber que, nos casos de letalidade, das operações Escudo e Verão [na Baixada Santista], isso ficou muito claro, já houve um mau uso ou não uso das câmeras. Com esse levantamento de agora vimos que, de fato, ocorre também no dia a dia. A gente achou importante problematizar isso porque está nessa iminência da mudança de um modelo. O novo tipo de tecnologia que o governo propôs [de acionamento remoto] ainda não está testado, ainda não existe — afirma a defensora pública Fernanda Balera. — O que a gente entende é que os policiais, de fato, não estão sendo responsabilizados por usar inadequadamente as câmeras. Precisamos ter um modelo ainda mais aprimorado, que entre mais na cultura institucional.

O relatório faz parte de uma representação ao presidente do Supremo, Luís Roberto Barroso, da Defensoria Pública de São Paulo em conjunto com a organização Conectas e a plataforma Justa. É parte de uma ação para que todos os policiais militares usem câmeras corporais durante as abordagens, sendo mantido o modelo atual de gravações automáticas e ininterruptas.

Segundo o documento, de um total de 457 pedidos feitos pela Defensoria para ter acesso às imagens entre os meses de junho e novembro, 48,3% não foram respondidos até o momento. Outros casos foram enviados, mas sem imagens, sob a alegação de que a bateria da câmera estava descarregada. Algumas informações fornecidas não diziam respeito às ocorrências em que os defensores estavam atuando.

Os casos analisados foram restritos a ocorrências em que se verificou violência praticada no momento da abordagem policial; flagrante forjado; ingresso irregular em domicílio; e busca pessoal injustificada.

Dos casos solicitados, a Defensoria conseguiu analisar 100 ocorrências. “São casos em que, de fato, foram encaminhadas imagens das câmeras corporais de todos os policiais envolvidos na ocorrência e em que houve ao menos a gravação parcial do momento da atuação da polícia militar quando a pessoa assistida juridicamente pela Defensoria Pública é presa em flagrante”, diz o documento.

Uma das intenções da pesquisa foi verificar se houve o acionamento intencional pelo PM envolvido na ocorrência. Dos 100 casos analisados, em 36% deles não houve acionamento do som por parte do agente de segurança no momento da abordagem policial. “O dado revela que, na inexistência de uma política de gravação ininterrupta, a Defensoria Pública do Estado de São Paulo teria acesso a um universo de imagens ainda menor para que pudesse exercer a defesa criminal efetiva das pessoas presas em flagrantes, em particular aquelas que alegam alguma forma de violência praticada no momento da prisão”, diz o documento.

Das 457 solicitações realizadas, considerando a ausência de respostas das solicitações da Defensoria Pública em 48,3% dos casos, somente em 14% dos casos identificados seria possível avaliar a conduta dos agentes de segurança pública nas abordagens policiais.

Além de não acionarem a captação, segundo a pesquisa, os policiais impedem a gravação das imagens em situações de interesse. Em 68% dos casos analisados foram observados obstáculos para gravação ou disponibilização das imagens.

Em um dos casos analisados, o policial militar conversa com a pessoa detida no interior de uma base móvel e retira um cassetete do armário. Logo em seguida, após mostrar o cassetete à pessoa detida, retira a câmera corporal e a coloca em posição que inviabiliza a gravação do que acontece momentos posteriores ao fato. As imagens só voltam a ser registradas seis minutos depois.

Imagens manipuladas — Foto: Criação O GLOBO
Imagens manipuladas — Foto: Criação O GLOBO

Operações na Baixada

Denúncias do Ministério Público sobre casos de morte em suposto confronto entre policiais e criminosos na Baixada Santista, durante as operações Escudo e Verão, já apontavam para o mau uso das câmeras corporais.

No fim de novembro, a Justiça de São Paulo aceitou denúncia contra dois agentes da Rota por um homicídio qualificado, por dificultar a defesa da vítima, ocorrido ao longo da Operação Verão. De acordo com o Ministério Público, eles alteraram a cena do crime, simularam disparos e obstruíram a captação de uma câmera corporal.

De acordo com a investigação realizada pelo Ministério Público, um dos policiais de nome Diogo Maia estava com a câmera corporal descarregada. Glauco Costa, o outro agente, tinha o equipamento funcionando em conformidade, mas obstruiu o campo de visão da câmera inclinando seu corpo para frente no momento em que a polícia se aproximou do carro da vítima, identificada como Allan dos Santos.

As defesas dos policiais não foram localizadas. O espaço permanece em aberto.

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